Saúde Mental
Indicações:
- Ansiedade
- Depressão
- Insônia
- TEPT
- Esquizofrenia
- TDAH
- Distúrbios alimentares
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o conceito de saúde é bem mais abrangente que a simples ausência de doença: é um completo estado de bem-estar físico, mental e social e, dessa forma, merece atenção em todos as suas vertentes.
A saúde mental está relacionada à forma como uma pessoa reage às exigências, desafios e mudanças da vida e o seu desequilíbrio pode desencadear transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão, os quais são a soma de fatores ambientais e genéticos. Estima-se que cerca de 10% da população mundial apresente algum transtorno mental[1].
Os tratamentos atuais consistem na psicoterapia e no uso de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos. No entanto, esses possuem uma gama de efeitos adversos, como ganho de peso e boca seca no caso dos antidepressivos tricíclicos (ex.: amitriptilina) e déficit de memória e problemas cognitivos no uso de ansiolíticos como os benzodiazepínicos (ex.: clonazepam). Além dos efeitos colaterais, a longo prazo, causam dependência, tolerância e síndrome de abstinência e muitos pacientes não obtém resultados satisfatórios. Isso enfatiza a necessidade de novas terapias, mais seguras e eficazes.
A Cannabis sativa, devido as suas propriedades de ação no nosso sistema endocanabinoide de regulação do funcionamento cognitivo, comportamental e do ciclo circadiano, é uma ferramenta potencial em diversos transtornos. Estudos mostram que o canabidiol (CBD), principal componente da planta, possui atividade ansiolítica, antipsicótica e antidepressiva. Dessa forma, o CBD pode ser utilizado no tratamento de vários prognósticos coexistentes, reduzindo a quantidade de medicamentos, com consequência direta na diminuição de reações adversas e interações medicamentosas[2].
Confira como a Cannabis medicinal pode ajudar em diferentes casos:
Ansiedade
O CBD tem um amplo perfil farmacológico, incluindo interações com vários receptores conhecidos por regular o medo e comportamentos relacionados à ansiedade.
Um ensaio clínico realizado no Japão avaliou sua eficácia no transtorno de ansiedade social. O grupo que recebeu Cannabis medicinal obteve respostas significativas em todas as escalas de avaliação em comparação ao placebo[3]. Outro estudo, publicado em 2019, realizou uma análise retrospectiva, observando a diminuição da ansiedade em 79,2% dos participantes nas primeiras 4 semanas de uso do CBD, em que apenas 4% apresentaram efeitos colaterais[4].
Depressão
Além de serem capaz de interagir com receptores serotoninérgicos e glutamatérgicos, sistemas envolvidos na fisiopatologia da depressão, os canabinoides induzem alterações celulares e moleculares, como o aumento dos níveis do BDNF e das sinapses do córtex pré-frontal, bem como aumentam a neurogênese no hipocampo, regiões do cérebro que apresentam baixa atividade em pacientes depressivos[5].
Pesquisadores da Universidade do Novo México coletaram dados de mais de mil usuários de Cannabis medicinal e avaliaram o potencial na redução imediata dos sintomas depressivos. Foi observado que 95,8% dos pacientes obtiveram melhora dos sintomas após o consumo[6].
Insônia
O sistema endocanabinoide, estimulado pela Cannabis, tem um papel importante na indução e manutenção do sono REM.
Diversos estudos mostram evidências duais no tratamento de distúrbios do sono. Os resultados obtidos sugerem que os tipos e concentrações dos canabinoides presentes afetam o sono de maneiras diferentes. Doses baixas de tetrahidrocanabinol (THC) são sedativas, auxiliando na indução e manutenção do sono, entretanto, doses elevadas pioram a qualidade do sono e podem causar euforia e excitação, sintomas não desejados. Já com o CBD ocorre o oposto, doses elevadas são mais benéficas neste contexto[7].
Uma pesquisa recente acompanhou pacientes que substituíram o uso de medicamentos benzodiazepínicos pelo óleo de extrato de Cannabis. Com os benzodiazepínicos, todos os pacientes relataram sentir efeitos adversos, como esquecimento, dores de cabeça, tontura e confusão mental. Em contrapartida, 60% deles relataram não sentir nenhum efeito adverso com a Cannabis, sendo que 80% dos participantes optaram pela utilização do óleo de extrato de Cannabis para o controle da insônia[8].
Transtorno de Estresse Pós-Traumático
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um distúrbio no qual, após a exposição a eventos traumáticos, os pacientes desenvolvem um conjunto de sintomas, incluindo memórias angustiantes, comportamentos de evitação, percepções aumentadas de ameaça e pesadelos recorrentes[9].
De acordo com estudos pré-clínicos, o CBD auxilia na interrupção da consolidação da memória do medo, processo relevante para a psicopatologia da doença[10]. Diante disso, um ensaio examinou a administração de CBD por 8 semanas em pacientes com TEPT. Houve uma redução significativa na gravidade e intensidade dos sintomas, com baixo perfil de efeitos colaterais[11].
Após 2 anos de acompanhamento de pacientes com TEPT do Programa de Cannabis Medicinal do Novo México, os pesquisadores encontraram uma redução de 75% na sintomatologia nos pacientes que usaram Cannabis medicinal em comparação com os que não a utilizaram[12].
Além disso, veteranos de guerra americanos relataram reduções significativas nos pensamentos e sonhos perturbadores e nos comportamentos de evitação com o uso de Cannabis medicinal[13]. Neste cenário, os canabinoides sintéticos também se mostraram promissores, em que um estudo avaliou militares canadenses a fim de avaliar o potencial da Nabilona, um análogo do THC, para o tratamento dos pesadelos relacionados ao TEPT, em que obteve redução significativa em relação ao placebo[14].
Esquizofrenia
A esquizofrenia é caracterizada pela presença de delírios, alucinações, apatia, função cognitiva prejudicada, comportamento desorganizado e alterações psicomotoras.
Os fármacos antipsicóticos, tratamento de primeira linha, atuam através do antagonismo dos receptores dopaminérgicos[15]. Embora sejam eficazes na maioria dos pacientes, a resposta terapêutica é pobre em até um terço dos pacientes[16], refletindo em uma ausência da função da dopamina elevada neste subgrupo[17].
Um ensaio clínico demonstrou efeitos benéficos do CBD em relação ao placebo, diminuindo os sintomas psicóticos e aumentando o desempenho cognitivo. Como os efeitos do CBD parecem não depender do antagonismo do receptor de dopamina, esse agente pode representar uma nova classe de tratamento para pacientes refratários[18].
Pesquisadores compararam o CBD e a amissulprida, um potente antipsicótico, na esquizofrenia aguda. Após 4 semanas de tratamento, ambos os medicamentos levaram a uma melhora clínica significativa, mas o CBD foi associado a menos efeitos adversos, como tremores e ganho de peso[19].
Quanto ao THC, estudos mostram que altas doses podem induzir sintomas psicóticos tanto em voluntários saudáveis, quanto em pacientes esquizofrênicos, sugerindo que a hiperatividade do sistema endocanabinoide pode contribuir para estados psicóticos. Isso corrobora com os achados, visto que o CBD é capaz de modular essa hiperatividade[19].
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) possui causas genéticas e ambientais e se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Recentemente, uma maior atenção tem sido dada ao papel do sistema endocanabinoide no TDAH. Foi observado que crianças com esse diagnóstico possuem a degradação da anandamida, um endocanabinoide, prejudicada em comparação com indivíduos saudáveis[20]. Além disso, estudos genéticos encontraram uma correlação entre o gene do receptor canabinoide e a fisiopatologia do transtorno[21].
Descobriu-se que a Cannabis medicinal é útil para uma variedade de sintomas, incluindo melhora da concentração e do sono, bem como redução da impulsividade. Após esta pesquisa, 73% dos participantes preferiram usar apenas canabinoides, enquanto 27% passaram a combina-los com outros medicamentos estimulantes[22].
Um relato de caso investigou um paciente adulto com TDAH que, após apresentar efeitos adversos com o metilfenidato, medicamento mais utilizado neste prognóstico, acessou o tratamento com canabinoides e obteve o foco aprimorado, hiperatividade reduzida, controle de impulsos e melhor tolerância à frustração[23].
Distúrbios Alimentares
A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar resultado da preocupação exagerada com o peso corporal e que pode provocar problemas físicos graves. Neste cenário, o sistema endocanabinoide tem sido implicado na mediação da ingestão de alimentos.
O potencial para explorar a atividade do THC a fim de reverter a perda de peso foi investigado em um modelo de roedor de anorexia. O tratamento com THC estimulou a ingestão de ração e reduziu significativamente a perda de peso corporal, deslocando os marcadores de termogênese e do metabolismo lipídico. Estas alterações foram significativamente maiores do que as observadas no grupo placebo[24].
Referências
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